Reduzir o sal na dieta é a primeira recomendação que um portador de hipertensão recebe do médico. Mas uma pesquisa do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia com 1.294 hipertensos mostrou que 93% deles não sabem fazer a relação entre o sal e o sódio descrito nas embalagens de alimentos. Pior: 75% nem sequer leem os rótulos e 45% não sabem que os produtos industrializados podem conter sal.
As informações são da repórter Karina Toledo, do jornal "O Estado de S. Paulo".
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o consumo diário de sal não deve exceder seis gramas por dia - uma colher de chá. A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) deve lançar em breve uma nova diretriz reduzindo esse valor recomendado para cinco gramas.
Estudo recente no New England Journal of Medicine apontou que diminuir o consumo de sal pode reduzir doenças cardiovasculares tanto quanto parar de fumar, combater a obesidade e controlar o colesterol. O problema é que a tabela nutricional das embalagens não informa a quantidade de sal e sim a de sódio - um dos componentes do sal de cozinha e o verdadeiro causador da pressão alta.
Para aumentar a confusão, o sódio não está apenas em alimentos salgados, mas também em conservantes (nitrito de sódio e nitrato de sódio), adoçantes (ciclamato de sódio e sacarina sódica), fermentos (bicarbonato de sódio) e realçadores de sabor (glutamato monossódico).
"Isoladamente, o sódio não tem sabor, mas apenas 24% dos entrevistados sabiam disso", diz a nutricionista Cristiane Kovacs, uma das autoras do estudo. "Costuma-se recomendar a redução no consumo de sal porque ele é a principal fonte de sódio da alimentação, mas não é a única."
O cardiologista Daniel Magnoni, coordenador da pesquisa, explica que é preciso multiplicar o valor de sódio no rótulo por 2,5 para saber o quanto aquilo corresponde em gramas de sal. Um alimento com 500 mg de sódio representa 1,25 g de sal.
Anvisa
"Estou elaborando uma proposta governamental para alterar a informação dos rótulos para que contenham a quantidade de sal", diz Magnoni. Mas, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não seria possível fazer essa alteração porque muitos alimentos - como o leite - contêm naturalmente sódio, mas não sal. "Declarar a quantidade de sal em um alimento que não teve adição desse ingrediente seria enganar o consumidor", afirmou a agência em nota.
texto retirado do site globo.com
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segunda-feira, 5 de julho de 2010
Celulas do Racismo
O preconceito pode parecer inevitável. Mesmo indivíduos que se autodefinam como não racistas mostram evidências de racismo inconsciente, implicando que o racismo teria base social ou biológica. Mas foi mostrado em um artigo publicado recentemente que um grupo de pessoas parece não formar estereótipos raciais (Santos, A. e colegas, Current Biology, 2010).
A síndrome é rara, causada por uma mutação genética, removendo 25 a 30 genes do cromossomo 7. Como diversas outras doenças raras, a síndrome talvez não chamasse tanta atenção, não fossem as consequências comportamentais que os portadores dessa mutação apresentam. Crianças com a síndrome de Williams são demasiadamente amigáveis, hiper-sociais e apresentam um interesse demasiado em pessoas desconhecidas. “Todas as pessoas do mundo são meus amigos” – frase que se costuma usar para caracterizar crianças com essa síndrome.
Isso porque não apresentam bloqueios sociais ao entrar em contato com estranhos. A razão disso já foi discutida numa coluna anterior e está relacionada à Teoria da Mente (capacidade que temos de imaginar o que o outro estaria pensando). Esse defeito acontece durante o desenvolvimento, e as razões neuronais ainda são obscuras.
O estudo em questão mostra que essas crianças não desenvolvem atitudes negativas contra outros grupos étnicos, mesmo apresentando atitudes estereotipadas comuns a crianças normais da mesma idade. Essa parece ser a primeira evidência sugerindo que diferentes tipos de estereótipos e preconceitos podem ser biologicamente distintos.
Indivíduos adultos com a síndrome de Williams apresentam atividade neuronal anormal numa estrutura cerebral conhecida como amígdala. Essa região está envolvida com a resposta a ameaças sociais, acionando inconscientemente respostas emotivas negativas contra outras etnias. Tendências racistas estão associadas ao medo: adultos são mais propensos a associar objetos negativos ou eventos repulsivos (por exemplo, choques elétricos) a pessoas de outras etnias. Mas de acordo com esse último estudo, seria o medo social que levaria ao preconceito. Uma perspectiva com sérias implicações, sem dúvida. Poderíamos sugerir, por exemplo, intervenções para reduzir o medo social como alternativa contra o preconceito. Mas será que existem evidências suficientes na pesquisa para garantir essa conclusão?
O trabalho consistiu em mostrar imagens de pessoas a 20 crianças de 5 a 16 anos portadoras da síndrome de Williams e outras 20 crianças normais (grupo controle), com mesma faixa etária. Todas de origem europeia e de pele branca. O primeiro teste consistia em pedir para os dois grupos de crianças escolherem as imagens relacionadas com atividades geralmente associadas a homens ou mulheres, como por exemplo, brincar com bola ou bonecas. Os dois grupos mostraram o mesmo tipo de tendência estereotipada, associando figuras de meninos com a bola e figuras de meninas com bonecas.
As crianças também ouviram historinhas sobre os personagens das figuras, descrevendo atributos negativos, como sendo teimosos ou sujos, ou atributos positivos, como bonitos e inteligentes. Pediu-se para as crianças associarem os tipos de histórias com imagens de pessoas de pele clara ou escura. Um exemplo de história consistiu em: “Havia dois meninos, um deles era muito amoroso. Quando viu que o gatinho caiu no lago, o menino salvou o animal, evitando que ele se afogasse. Qual é o menino gentil e amoroso?”
Crianças-controle, sem síndrome de Williams, consistentemente associam características positivas a indivíduos de pele clara e características negativas aos de pele escura. Infelizmente, esses dados confirmam resultados anteriores feitos tanto em crianças claras como em negras. No entanto, as crianças portadoras da síndrome de Williams não mostraram nenhum tipo de bias (preconceito). A conclusão óbvia é que o medo social não é necessário para estereótipos sexuais mas é importante para o estabelecimento de preconceitos étnicos.
O dado é extremamente interessante, mas existem alguns detalhes que podem influenciar as conclusões dos pesquisadores. Os pacientes com síndrome de Williams têm outros tipos de problemas, como retardo mental e reduzida capacidade de aprendizado, que podem interferir com as escolhas feitas pelas crianças. Apesar do grupo ter escolhido participantes com QI e nível socioeconômicos parecidos, as crianças com Williams possuem experiências de vida bem diferentes de crianças normais. Até certo ponto, todas as crianças são expostas a modelos baseados em sexo pelo convívio com os pais, mas nem todas têm a chance de refletir sobre a questão do racismo. A exposição reduzida das crianças com Williams a estereótipos racistas pode ser uma outra forma de interpretar os resultados do grupo.
Além disso, o estudo não responde se o preconceito tem bases genéticas predeterminadas ou é baseado em experiência prévia. Alterações genéticas podem fazer alguém nascer sem as mãos e por isso ser incapaz de tocar piano. Não podemos inferir que exista uma base genética para tocar piano nesse caso. Com esse trabalho, a mesma coisa. Para examinar o papel da experiência prévia o grupo poderia, por exemplo, encontrar crianças que foram criadas por pais do mesmo sexo. De qualquer forma, o trabalho precisa ser replicado em grupos maiores e com outras faixas etárias.
O que parece ser um fato é que preconceitos e estereótipos diferentes podem ser biologicamente discriminados. Se isso é por causa de genes, ambiente ou uma complicada interação entre ambos, é uma questão cuja resposta ainda está por vir.
texto reirado site globo.com
A síndrome é rara, causada por uma mutação genética, removendo 25 a 30 genes do cromossomo 7. Como diversas outras doenças raras, a síndrome talvez não chamasse tanta atenção, não fossem as consequências comportamentais que os portadores dessa mutação apresentam. Crianças com a síndrome de Williams são demasiadamente amigáveis, hiper-sociais e apresentam um interesse demasiado em pessoas desconhecidas. “Todas as pessoas do mundo são meus amigos” – frase que se costuma usar para caracterizar crianças com essa síndrome.
Isso porque não apresentam bloqueios sociais ao entrar em contato com estranhos. A razão disso já foi discutida numa coluna anterior e está relacionada à Teoria da Mente (capacidade que temos de imaginar o que o outro estaria pensando). Esse defeito acontece durante o desenvolvimento, e as razões neuronais ainda são obscuras.
O estudo em questão mostra que essas crianças não desenvolvem atitudes negativas contra outros grupos étnicos, mesmo apresentando atitudes estereotipadas comuns a crianças normais da mesma idade. Essa parece ser a primeira evidência sugerindo que diferentes tipos de estereótipos e preconceitos podem ser biologicamente distintos.
Indivíduos adultos com a síndrome de Williams apresentam atividade neuronal anormal numa estrutura cerebral conhecida como amígdala. Essa região está envolvida com a resposta a ameaças sociais, acionando inconscientemente respostas emotivas negativas contra outras etnias. Tendências racistas estão associadas ao medo: adultos são mais propensos a associar objetos negativos ou eventos repulsivos (por exemplo, choques elétricos) a pessoas de outras etnias. Mas de acordo com esse último estudo, seria o medo social que levaria ao preconceito. Uma perspectiva com sérias implicações, sem dúvida. Poderíamos sugerir, por exemplo, intervenções para reduzir o medo social como alternativa contra o preconceito. Mas será que existem evidências suficientes na pesquisa para garantir essa conclusão?
O trabalho consistiu em mostrar imagens de pessoas a 20 crianças de 5 a 16 anos portadoras da síndrome de Williams e outras 20 crianças normais (grupo controle), com mesma faixa etária. Todas de origem europeia e de pele branca. O primeiro teste consistia em pedir para os dois grupos de crianças escolherem as imagens relacionadas com atividades geralmente associadas a homens ou mulheres, como por exemplo, brincar com bola ou bonecas. Os dois grupos mostraram o mesmo tipo de tendência estereotipada, associando figuras de meninos com a bola e figuras de meninas com bonecas.
As crianças também ouviram historinhas sobre os personagens das figuras, descrevendo atributos negativos, como sendo teimosos ou sujos, ou atributos positivos, como bonitos e inteligentes. Pediu-se para as crianças associarem os tipos de histórias com imagens de pessoas de pele clara ou escura. Um exemplo de história consistiu em: “Havia dois meninos, um deles era muito amoroso. Quando viu que o gatinho caiu no lago, o menino salvou o animal, evitando que ele se afogasse. Qual é o menino gentil e amoroso?”
Crianças-controle, sem síndrome de Williams, consistentemente associam características positivas a indivíduos de pele clara e características negativas aos de pele escura. Infelizmente, esses dados confirmam resultados anteriores feitos tanto em crianças claras como em negras. No entanto, as crianças portadoras da síndrome de Williams não mostraram nenhum tipo de bias (preconceito). A conclusão óbvia é que o medo social não é necessário para estereótipos sexuais mas é importante para o estabelecimento de preconceitos étnicos.
O dado é extremamente interessante, mas existem alguns detalhes que podem influenciar as conclusões dos pesquisadores. Os pacientes com síndrome de Williams têm outros tipos de problemas, como retardo mental e reduzida capacidade de aprendizado, que podem interferir com as escolhas feitas pelas crianças. Apesar do grupo ter escolhido participantes com QI e nível socioeconômicos parecidos, as crianças com Williams possuem experiências de vida bem diferentes de crianças normais. Até certo ponto, todas as crianças são expostas a modelos baseados em sexo pelo convívio com os pais, mas nem todas têm a chance de refletir sobre a questão do racismo. A exposição reduzida das crianças com Williams a estereótipos racistas pode ser uma outra forma de interpretar os resultados do grupo.
Além disso, o estudo não responde se o preconceito tem bases genéticas predeterminadas ou é baseado em experiência prévia. Alterações genéticas podem fazer alguém nascer sem as mãos e por isso ser incapaz de tocar piano. Não podemos inferir que exista uma base genética para tocar piano nesse caso. Com esse trabalho, a mesma coisa. Para examinar o papel da experiência prévia o grupo poderia, por exemplo, encontrar crianças que foram criadas por pais do mesmo sexo. De qualquer forma, o trabalho precisa ser replicado em grupos maiores e com outras faixas etárias.
O que parece ser um fato é que preconceitos e estereótipos diferentes podem ser biologicamente discriminados. Se isso é por causa de genes, ambiente ou uma complicada interação entre ambos, é uma questão cuja resposta ainda está por vir.
texto reirado site globo.com
Células Maternas em nossos corpos
Apesar de ser um campo de pesquisa novo e não muito na moda, os dados são surpreendentes e prometem influenciar interpretações biológicas e filosóficas sobre individualidade e relação mãe-filho. Estudos recentes indicam que a transferência celular entre o feto e a mãe durante a gestação é um fenômeno comum. E que a troca de células persiste nos dois indivíduos anos após o nascimento. Essa troca também pode acontecer entre gêmeos no útero ou – ainda não confirmado –, durante um aborto espontâneo.
Microquimerismo é o nome dado ao fenômeno biológico referente a uma pequena população de células ou DNA presente em um indivíduo mas derivada de um outro organismo geneticamente distinto. Eventos naturais de microquimerismo estão sendo conectados a doenças autoimunes – como o caso de escleroderma e lúpus. Além disso, a presença de microquimerismo em células do coração de indivíduos infartados sugere que o fenômeno possa contribuir com o reparo natural de certos tecidos do corpo.
Pesquisas nessa área começaram a partir de estudos de rejeição de tecidos transplantados. Era curioso observar a falta de rejeição de órgãos entre indivíduos não compatíveis. Apesar de raros, esses casos despertaram a curiosidade de pesquisadores que passaram a procurar formas de explicar a integração do tecido transplantado na ausência de uma reação imunológica.
Utilizando-se de sondas especificas para o cromossomo Y (aquele presente só em homens), foi revelado que diversos tecidos de mulheres que haviam passado por um transplante continham células masculinas. A observação mais impressionante foi que essas células masculinas não se limitavam apenas ao tecido transplantado, mas podiam ser encontradas espalhadas por diversos órgãos da mulher.
Até aí, a explicação mais óbvia seria que células transplantadas teriam migrado e se inserido em outros tecidos do corpo da mulher receptora. A explicação parecia verossímil até que se descobriu que o fenômeno também ocorria em algumas mulheres que nunca haviam recebido transplante algum. De onde estariam vindo as células masculinas no corpo dessas mulheres?
A análise do histórico médico revelou uma correlação extremamente curiosa: apenas as mulheres que tiveram filhos homens antes do teste apresentaram microquimerismo masculino. Essa correlação levou à interpretação de que existe uma troca natural entre células do feto e maternas durante a gravidez. Isso também explicava a falta de rejeição em algumas mulheres, pois o microquimerismo celular era mais frequente e havia estimulado o sistema imune do transplantado anteriormente.
Essa quebra de dogma (de que somos feitos unicamente a partir de nossas células embrionárias) estimulou estudos em doenças autoimunes. Em diversos trabalhos realizados, níveis de DNA masculino estavam presentes em quantidades significativamente maiores em tecidos de mulheres com esclerose sistêmica quando comparados com mulheres sadias. Todas as mulheres com esclerose sistêmica haviam tido filhos homens. Esses dados foram reproduzidos em modelos animais, utilizando-se camundongos fêmeas.
Os estudos não são completamente conclusivos ainda. Pode-se argumentar, por exemplo, que o nível de microquimerismo aumentou em função da própria doença. Segundo essa visão, as células masculinas estariam proliferando como consequência da doença, e não como causa.
Em outra doença autoimune, o lúpus em neonatos, a interpretação é semelhante. Nessa doença, o neonato com baixo sistema imunológico estaria mais propenso a receber células maternas, aumentando o microquimerismo. Estudos subsequentes nesses pacientes mostraram que as células maternas persistem na pessoa adulta, especializando-se em diversos tecidos e tornando-se parte integral do corpo do indivíduo.
Em adição aos trilhões de células derivadas do óvulo fertilizado que fomos um dia, cada um de nós possui células adquiridas de um outro organismo, geneticamente distinto. No útero, as recebemos através de uma infusão de nossas mães. Mulheres grávidas também coletam uma amostra derivada do embrião em desenvolvimento. Que essas células cruzem a placenta não é novidade. Afinal de contas, o tecido que conecta a mãe ao feto não é uma barreira impenetrável, mas uma fronteira seletiva, permitindo a passagem de nutrientes e fatores necessários ao desenvolvimento do feto. O que é novidade é que as células trocadas persistem no organismo receptor, residindo em diversos órgãos.
Essas células têm a capacidade de contribuir para o reparo de tecidos danificados ou mesmo ser alvo de doenças autoimunes. Portanto, esse microquimerismo parece contribuir tanto para a saúde quanto para a doença, dependendo da situação. Essa área de estudo é relativamente recente em biologia e, como toda disciplina atípica, requer um estágio de estabelecimento até que a massa de cientistas preste atenção e reconheça o fenômeno como relevante.
Intuitivamente, sinto-me feliz sabendo que carrego um pouco de minha mãe comigo. Acho que o mecanismo pode ser visto, primeiramente, como uma forma adicional de proteção materna, mas que nos acompanha pela vida inteira. De qualquer forma, me faz pensar: se carrego um pouco de células maternas protetoras na maioria de meus órgãos, qual será então o impacto de neurônios da minha mãe no meu cérebro?
texto retirado do site globo.com
Microquimerismo é o nome dado ao fenômeno biológico referente a uma pequena população de células ou DNA presente em um indivíduo mas derivada de um outro organismo geneticamente distinto. Eventos naturais de microquimerismo estão sendo conectados a doenças autoimunes – como o caso de escleroderma e lúpus. Além disso, a presença de microquimerismo em células do coração de indivíduos infartados sugere que o fenômeno possa contribuir com o reparo natural de certos tecidos do corpo.
Pesquisas nessa área começaram a partir de estudos de rejeição de tecidos transplantados. Era curioso observar a falta de rejeição de órgãos entre indivíduos não compatíveis. Apesar de raros, esses casos despertaram a curiosidade de pesquisadores que passaram a procurar formas de explicar a integração do tecido transplantado na ausência de uma reação imunológica.
Utilizando-se de sondas especificas para o cromossomo Y (aquele presente só em homens), foi revelado que diversos tecidos de mulheres que haviam passado por um transplante continham células masculinas. A observação mais impressionante foi que essas células masculinas não se limitavam apenas ao tecido transplantado, mas podiam ser encontradas espalhadas por diversos órgãos da mulher.
Até aí, a explicação mais óbvia seria que células transplantadas teriam migrado e se inserido em outros tecidos do corpo da mulher receptora. A explicação parecia verossímil até que se descobriu que o fenômeno também ocorria em algumas mulheres que nunca haviam recebido transplante algum. De onde estariam vindo as células masculinas no corpo dessas mulheres?
A análise do histórico médico revelou uma correlação extremamente curiosa: apenas as mulheres que tiveram filhos homens antes do teste apresentaram microquimerismo masculino. Essa correlação levou à interpretação de que existe uma troca natural entre células do feto e maternas durante a gravidez. Isso também explicava a falta de rejeição em algumas mulheres, pois o microquimerismo celular era mais frequente e havia estimulado o sistema imune do transplantado anteriormente.
Essa quebra de dogma (de que somos feitos unicamente a partir de nossas células embrionárias) estimulou estudos em doenças autoimunes. Em diversos trabalhos realizados, níveis de DNA masculino estavam presentes em quantidades significativamente maiores em tecidos de mulheres com esclerose sistêmica quando comparados com mulheres sadias. Todas as mulheres com esclerose sistêmica haviam tido filhos homens. Esses dados foram reproduzidos em modelos animais, utilizando-se camundongos fêmeas.
Os estudos não são completamente conclusivos ainda. Pode-se argumentar, por exemplo, que o nível de microquimerismo aumentou em função da própria doença. Segundo essa visão, as células masculinas estariam proliferando como consequência da doença, e não como causa.
Em outra doença autoimune, o lúpus em neonatos, a interpretação é semelhante. Nessa doença, o neonato com baixo sistema imunológico estaria mais propenso a receber células maternas, aumentando o microquimerismo. Estudos subsequentes nesses pacientes mostraram que as células maternas persistem na pessoa adulta, especializando-se em diversos tecidos e tornando-se parte integral do corpo do indivíduo.
Em adição aos trilhões de células derivadas do óvulo fertilizado que fomos um dia, cada um de nós possui células adquiridas de um outro organismo, geneticamente distinto. No útero, as recebemos através de uma infusão de nossas mães. Mulheres grávidas também coletam uma amostra derivada do embrião em desenvolvimento. Que essas células cruzem a placenta não é novidade. Afinal de contas, o tecido que conecta a mãe ao feto não é uma barreira impenetrável, mas uma fronteira seletiva, permitindo a passagem de nutrientes e fatores necessários ao desenvolvimento do feto. O que é novidade é que as células trocadas persistem no organismo receptor, residindo em diversos órgãos.
Essas células têm a capacidade de contribuir para o reparo de tecidos danificados ou mesmo ser alvo de doenças autoimunes. Portanto, esse microquimerismo parece contribuir tanto para a saúde quanto para a doença, dependendo da situação. Essa área de estudo é relativamente recente em biologia e, como toda disciplina atípica, requer um estágio de estabelecimento até que a massa de cientistas preste atenção e reconheça o fenômeno como relevante.
Intuitivamente, sinto-me feliz sabendo que carrego um pouco de minha mãe comigo. Acho que o mecanismo pode ser visto, primeiramente, como uma forma adicional de proteção materna, mas que nos acompanha pela vida inteira. De qualquer forma, me faz pensar: se carrego um pouco de células maternas protetoras na maioria de meus órgãos, qual será então o impacto de neurônios da minha mãe no meu cérebro?
texto retirado do site globo.com
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